Para a psicologia analítica (ou junguiana) nosso inconsciente se comporta de modo compensatório ou complementar em relação ao consciente, e vice-versa; consciente e inconsciente funcionam como um continuum de experiências entre opostos que se sustentam e compensam. E essa tensão entre opostos é a base da dinâmica psíquica para Jung e, portanto, do funcionamento do nosso eu no mundo.
São diferentes pares de opostos regendo nosso comportamento, e o objetivo é manter a unidade da psique em equilíbrio. Um determinado comportamento na nossa vida consciente, gera uma força oposta de mesma intensidade no inconsciente, como forma de compensação da tensão e manutenção do equilíbrio. Da mesma maneira, uma força inconsciente na psique vai gerar um comportamento oposto na vida consciente. Por exemplo, se me calo demais para não ser desagradável, uma hora explodo de maneira super violenta sendo muito desagradável; se me deixo abusar por alguém que está numa posição de força superior à mim, uma hora vou abusar de alguém que esteja em uma posição de força inferior à mim… e assim poderia dar infinitos exemplos…
E mesmo que não percebamos, esses pares de opostos estão atuando todo o tempo e definindo nosso comportamento. A clássica estória de Robert Louis Stevenson, o Médico e o Monstro, traz uma metáfora perfeita para essa dinâmica: o médico perfeitinho e absolutamente dedicado durante o dia (consciente), na calada da noite (inconsciente) se transforma num violento assassino.
Mas como pode ser essa uma ideia de equilíbrio? Para a maioria de nós, a ideia de equilíbrio vem associada à expressão budista de ‘caminho do meio’; e essa imagem remete a algo como uma linha reta e perfeitamente equilibrada de comportamento que cada um de nós deveria seguir. E isso seria o correto a se fazer e qualquer outra coisa fora disso estaria ‘errada’ ou desequilibrada. Mas não é assim. Pelo menos não para Jung.
Claro que um equilíbrio entre opostos radicalizados, ou seja, quando temos comportamentos unilateralizados, exagerados de um lado e de outro, não é exatamente uma forma saudável de estar no mundo. É apenas a dinâmica básica de funcionamento da psique quando não colocamos consciência no processo. Como assim? Tomar consciência de nosso eu no mundo, nossos comportamentos, nossa dinâmica entre opostos… Compreender o que nos constitui. Nossas dores, nossa história, os afetos que nos marcaram e constituíram a dinâmica entre opostos que nos é peculiar. E assim nos conhecermos, e podermos fazer nossas próprias escolhas de ser e estar no mundo, ao invés de seguirmos tendo a vida ‘destinada’ pela dinâmica entre opostos unilaterais dos quais somos inconscientes.
E ao longo do processo, construir uma nova dinâmica, um novo equilíbrio; não mais entre opostos radicalizados, mas dentre um círculo de possibilidades de ser e agir ao redor de um centro, um ponto de inteireza em si mesmo. Ser o todo que nos constitui. Ou como diria Fernando Pessoa “para ser grande sê inteiro: nada teu exagera ou exclui”. Não precisamos ser perfeitos, nem mesmo perfeitamente equilibrados. Ser inteiros para revelar o ser único que somos, integrar as partes dissociadas da psique para ‘tornar-se o si-mesmo que se é’, é o que Jung chamou de processo de individuação. Esse é o processo terapêutico que acredito pode nos levar a relações mais saudáveis, conosco e com nossos pares!
Porque quando a psique está funcionando num equilíbrio entre opostos radicalizados, tendemos a construir relações de compensação também com o outro com quem estamos em relação. Cada um fica engessado num único papel, exercendo apenas um lado de si mesmo e não só a relação tende a ficar enrijecida e estressante, mas também o desenvolvimento de cada individualidade e da relação em si fica bastante prejudicado, trazendo sofrimento ou ruptura.