É tão tamanha a frequência com que ouço relatos de situações de vida onde as mães são ou foram más* com suas filhas meninas, que vivo me perguntando sobre as raízes dessa questão.
Entre amigas vejo como ainda é mais frequente do que eu poderia supor que elas confessem que sem querer se dão conta que mimam mais seus filhos meninos do que as meninas. “Ah elas são bem mais independentes”, “eles são tão carinhosos!”, muitas ainda dizem, como dizia a geração da minha mãe.
No último Círculo de Mulheres que tivemos, o assunto também foi esse – a dor e a dificuldade tantas vezes experimentadas na relação com as mães – a partir de diferentes relatos das mulheres presentes, que foram surgindo a partir de trechos de livros que foram escolhidos e lidos ‘aleatoriamente’ naquela roda.
Outro dia, conversando com uma amiga super mega hiper blaster antenada, humana, sensível, culta etc, etc, etc. quase caio pra trás quando trago esse assunto e ela me diz “sabe que outro dia me dei conta que minhas brincadeiras com minha filha caçula são bem diferentes das que faço com os meninos?! Com ela eram sempre palavras do tipo “nossa, mas vc não cansa de ser feia não, menininha?”, “onde vc aprendeu a ser tão sapeca, hein?’ e com os meninos eram sempre no positivo, na aprovação incondicional…
Uau! Claro que isso não significa que ela a ame menos que a eles. Tenho certeza que não! Então por que, aparentemente, continuamos a amar incondicionalmente nossos meninos e não nossas meninas??
Também não tenho uma resposta, claro! Mas uma coisa que sempre me parece confortar é pensar que um menino yang que nasce de uma mãe yin dá muito mais ‘liga’ que uma menina yin que nasce de uma mãe yin. E essa natureza básica das energias que se atraem e repelem pode responder um pouco do como essa ligação vai se configurar.
O espelho que a menina pode representar para todas as feridas da sua mãe como mulher, dores que ela não sabe ou não quer lidar, e que através da sua existência, a filha vai trazendo à tona um pouco a cada momento, talvez seja um norte para olharmos essa questão.
Mulheres, filhas do patriarcado há tantos séculos, são mulheres feridas, diminuídas, machucadas, perseguidas, humilhadas, abusadas… e ainda que, porventura, tenham tido mais proteção nesta existência, guardam em si as dores ancestrais. E talvez, quando olham para suas meninas, vejam nelas também essa dor, essa humilhação, esse desvalor… e por esse complexo de inferioridade, inconscientemente, seguem projetando isso nas suas pequenas.
Acredito, sobretudo, no caminho da consciência dos aspectos mal resolvidos em nós, nossas marcas, nossas dores. Para que não precisem ser continuamente projetados nas nossas meninas, perpetuando o ciclo de baixo senso de valor que elas, tornando-se mulheres, continuam carregando em si. E que talvez seja o ponto de partida para um novo ciclo de rejeição!
“O melhor que uma mãe pode fazer por sua filha é curar-se como mulher!” Maria Soledad Domec
“Quando uma mulher decide curar-se, ela se transforma numa obra de amor e compaixão, já que não se torna saudável somente a si própria, mas também a toda sua linhagem.” Bert Hellinger
* por más quero dizer repressoras, não protetoras, colocando sobre elas a maior parte da responsabilidade do cuidar na casa, com os irmãos, reprimindo sua sexualidade quando brota, julgativas, críticas, ausentes, invejosas…