Individualidade na relação a dois (2)

Faz um tempo que escrevi sobre este tema (link aqui) e quero revisitá-lo. Talvez porque hoje eu tenha uma visão ainda mais ‘radical’ sobre essa questão, se podemos chamá-la assim.

Desenvolver a individualidade (ser aquele EU que somos verdadeiramente) na sociedade massificada e massacrante que vivemos já é um desafio e tanto. Ter ainda mais um obstáculo nesse caminho – e que obstáculo! – que é a relação afetiva, vejo que tem sido desesperador na vida de muitas pessoas nos dias atuais. Parece haver uma dicotomia na prática da vida diária – eu X minha relação. Quando, muito pelo contrário, deveria ser o impulso para revelarmos nosso EU mais verdadeiro. Pelo espelho que representa. Pela importância que tem no nosso caminhar.

Mas então porque a relação afetiva funciona tantas vezes como um obstáculo para o desenvolvimento do SER de cada um, sua individualidade, seu brilho, sua potência?

Porque mais que tudo na vida queremos ser amados, aprovados, desejados…e projetamos isso com força nas relações a dois? Porque temos muito medo de, sozinhos, encarar as grandes questões e desafios que a vida adulta apresenta? Porque vivemos todos numa fantasia de projeções e cobranças para que o outro nos faça feliz ? Seja aquilo que queremos que seja? Nosso objeto de idealização? E porque isso é muito chato e dificulta a vida? Talvez…

Observo. Quantos comentam que as pessoas não se encontram mais. Não conseguem mais ficar juntas. As relações são líquidas, estamos todos sozinhos… mesmo dentro das relações. Pergunto. Será que a falta de espaço para a individualidade não seria um dos responsáveis por essa dificuldade que temos encontrado em estar nas relações? Profunda, verdadeira e longevamente??

Pois se a maioria, aparentemente, quer estar em relação, quer amar, quer dividir, quer compartilhar… por que não estamos conseguindo? Claro que tudo sempre é multicausal e complexo, mas quero olhar sob esse aspecto. Da dificuldade que tenho visto nos casais em cultivar suas individualidades, como ser, como alma, como espírito, como gênero, como ser social e político sem qualquer tipo de limitação, constrangimento, crítica ou cerceamento que venha do parceiro ou parceira.

Quantas relações são realmente livres? não estou falando de relações abertas necessariamente, mas até poderia. Estou falando de liberdade de SER. Sem pedir desculpas, sem ter que refrear, esconder, moldar, negar, medir, emoldurar-se para dar conta do que o outro dá conta. Para poupar o outro. Para não causar problema ou desavença…. para não correr o risco de que a relação se acabe. Quantas relações estão dando conta do diálogo profundo e necessário para que possamos SER e ESTAR com alguém numa relação verdadeiramente livre?

Penso que o tempo histórico que vivemos não está deixando muita margem para continuarmos a fingir ser o que não somos. Chegou o tempo de cada um SER o que é com toda a sua inteireza, luz, sombra, desejo, busca, angústia, vontade… o Universo está clamando por isso e o planeta implora que sejamos, apenas…sejamos alma, inteiros no mundo….

E com isso, talvez o tempo de relações simbióticas, que comprometem o caminhar de cada um em direção a sua individualidade, onde um ou os dois abrem mão do seu desenvolvimento enquanto SER pela relação, pela segurança de ter o outro ali, pelo medo de estar sozinho…. já tenha chegado ao fim.

Precisamos reinventar as bases das relações afetivas para que se sustentem mais na liberdade e inteireza de Ser do que em medos, limites, amarras, ou convenções sociais, culturais ou religiosas. Pelo menos é o que eu acho que cabe para mim e para o momento que vivemos.

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