Essa é uma questão que gera muita dúvida e discussão. Com o intuito de contribuir com esse assunto nada simples na minha visão, sugiro olharmos por diferentes ângulos.
A melhor resposta seria sim ou não. Psicologia é área de estudo e profissão. Psicoterapia é prática. Por exemplo, alguém pode ser engenheiro de formação e na prática trabalhar no mercado financeiro, ou como gestor de equipe, ou, de fato, exercer a função de engenheiro.
Segundo a legislação brasileira que regulamenta a formação e profissão de psicólogo, datada de 1962, constitui função privativa do psicólogo: a) diagnóstico psicológico; b) orientação e seleção profissional; c) orientação psicopedagógica; d) solução de problemas de ajustamento.
Como veem, não inclui a psicoterapia. Portanto, o psicólogo pode ou não ser psicoterapeuta e o psicoterapeuta pode ou não ser psicólogo, segundo a Lei 4.119. Mas como assim?
Para elaborar essa questão, é preciso discutir o que é a prática da psicoterapia. Psicoterapia = Psique + terapia.
Psique, que vem do grego ‘ψυχή’ ou ‘psykhé’, e significa originalmente sopro, respiração. Entre os filósofos gregos antigos era um conceito que definia a vida, a existência de algo para além do corpo físico e que era responsável pelo movimento do ser, suas emoções e sentimentos, a alma; e que ia embora do corpo na hora da morte. Platão considerava a alma como a dimensão humana mais importante.
E terapia, que significa prestar cuidados, tratar.
Ou seja, Psicoterapia = prática que cuida da alma, da vida.
E aí é que começam as discussões. Pois se, originalmente, a psicoterapia podia ser entendida como a prática de cuidado com a alma e o ser humano que a contém – sendo exercida pelos padres, xamãs, anciões ou filósofos, por exemplo -, o desenvolvimento do pensamento científico ao longo da história foi trazendo controvérsias a esse entendimento.
E hoje, existem tantas linhas de abordagem psicoterápica quantos entendimentos há do que seja ou não seja a vida, a alma e o ser humano. Desde abordagens que entendem a prática da psicoterapia como na sua origem, até as que têm um entendimento racional e cartesiano da vida e do ser humano, e que rejeitam a ideia de que o ser humano tenha uma alma; ou ainda as que entendem que trabalhar com a alma seja tarefa para as religiões e não para a psicoterapia, e por essa razão entendem que a psicoterapia deva ser um trabalho científico, que possa ser comprovado cientificamente na sua eficácia e que, portanto, deva ser exercido apenas por psicólogos, com formação científica.
Não vou me aprofundar na discussão do que seja científico ou sobre o fato de que as universidades ocidentais, detentoras do chamado conhecimento científico da nossa época, na minha opinião, reduziram o conhecimento humano a departamentos e caixas limitadoras, empobrecendo-o, uma vez que não é o objeto desse texto. Quem quiser ler algo mais a esse respeito com o qual concordo totalmente, sugiro esse texto de Mariette Raina (em inglês apenas, sorry!).
O fato é que eu penso que a formação de um psicoterapeuta vai muito além do que a formação dos psicólogos, nos moldes ocidentais modernos, possibilita. A começar, por exemplo, pelo fato de que a graduação em psicologia não exige que o aluno esteja em processo psicoterápico, pelo menos não no Brasil. Como pode alguém lidar com outra subjetividade humana sem lidar com a sua própria? Para mim, não é possível. Mas segundo a lei brasileira hoje em vigor, sim, um psicólogo pode sair da faculdade, sem nunca ter feito terapia, e abrir seu consultório para começar a ser psicoterapeuta de alguém.
“Conheça-te a ti mesmo e conhecerás todo o Universo e os deuses, porque se o que procuras não achares primeiro dentro de ti mesmo, não acharás em lugar algum” é a frase escrita no Templo de Delfos na Grécia antiga, em homenagem ao Deus Apolo, e que inspirou Sócrates, Platão, Michel Foucault e tantos outros na busca pela verdade da vida.
Jung tem uma frase linda que diz “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”.
“Para exercer este trabalho não se requeria necessariamente que fosse médico, nem psicólogo com formação universitária, pois o conhecimento de si se adquire em primeiro lugar na experiência da vida, confrontando-se com a própria dialética interior de cada um e na relação com os outros. Normalmente um analista experimentado é aquele que adquiriu uma verdadeira ciência da alma através da relação com seu próprio mundo interior. É lá que ele conhece na vida e na verdade o que é alma.” Leon Bonaventure, prólogo do livro Psiquiatria Junguiana de Heinrich Karl Fierz
Para mim, a psicoterapia tem como objetivo o autoconhecimento. É ampliando a consciência sobre quem sou, o que me constitui, minhas crenças, ações, comportamentos e atitudes que vou me libertando de máscaras sociais e me aproximando do meu ser mais verdadeiro e legítimo, a minha alma. E para mim, reconhecer e revelar o Self, o si-mesmo que somos, é o maior objetivo da vida.
Quando alguém vem ao meu consultório pela primeira vez costumo explicar com bastante cuidado quais são as bases teóricas do meu trabalho – no caso Jung principalmente – e o que isso significa no meu entendimento do que seja a vida e portanto, no meu olhar sobre aquele ser que está na minha frente, suas questões, medos, angústias… E conto também quem sou eu, minha história… E isso nos dá a base, os princípios que vão nortear o trabalho conjunto ao longo daquele processo terapêutico.
Claro que meus anos na faculdade de psicologia da PUC/SP não foram em vão. Claro que me ajudaram a construir meu repertório de trabalho. Assim como contribuíram também as formações como especialista em Psicologia Junguiana pelo IJEP, como Terapeuta Floral pelo Instituto Bach da Inglaterra, e outras tantas formações que tenho no currículo.
Mas tenho certeza que são os 30 anos como cliente de psicoterapia, além de toda minha busca por autoconhecimento ao longo da vida e as práticas corporais que me ajudam a ampliar a consciência, como meditação e yoga entre tantas outras, que de fato me permitem hoje me reconhecer e trabalhar como psicoterapeuta.
Enfim, isso é um pouco do que penso sobre essa questão!
Olá Elton! Que bom que fez tanto sentido para você como faz para mim! 🙂
Obrigada!
Incrível essa tal sincronicidade… eu estava procurando algo sobre psicoterapia e encontrei esse texto, que vai diretamente ao encontro do meu momento. Parabéns!