Há algum tempo o tema amadurecer tem aparecido com certa frequência no consultório e foi tema do círculo de mulheres deste mês! Além disso, notei que tenho em terapia hoje mais “Perséfones” do que acontecia há um ano, por exemplo. Obviamente esses fatos se relacionam, e como já escrevi num outro post, cada um que vem ao meu consultório toca um ponto meu e por isso tenho refletido bastante sobre esse tema.
Perséfone é uma Deusa Grega, cuja energia arquetípica representa a dualidade entre ser a “filhinha da mamãe” Deméter ou amadurecer e virar a mulher Rainha, a partir do contato com o mundo dos mortos (psique profunda), através de Hades, Deus grego do mundo subterrâneo, que rapta Perséfone dos campos floridos em que passeava e, portanto, dos braços de sua mãe, que muito superprotetora a mantinha longe das “densidades” da vida. (saiba mais sobre os arquétipos do feminino nesse post)
Me parece que a questão central que se coloca é: afinal de contas, pra quê amadurecer? se isso normalmente significa assumir grandes responsabilidades na vida e enfrentar os problemas que a vida adulta apresenta ao invés de delegá-los a alguém ou fugir deles?
Preciso deixar claro que o desafio do amadurecer não é apenas das “Perséfones”, apesar deste ser um tema central no processo terapêutico delas. Para mim, por exemplo, sinto que um ciclo profundo de amadurecimento vem acontecendo nos últimos 2 anos, mais ou menos, apesar de ter sempre me considerado bastante madura, responsável, independente desde muito nova… mas acredito que sempre haverá novos e outros ciclos do amadurecer em níveis cada vez mais profundos, ao longo do caminhar nessa existência. E que fique claro que não necessariamente esse amadurecer vem com a idade, pois conheço tantos jovens maduros, quanto adultos infantis.
Refletindo sobre esse tema, há alguns dias me deparei novamente com essa fala de Jung que me toca profundamente.
“Mantendo-me calmo, nada reprimindo, permanecendo atento e aceitando a realidade. Vendo as coisas como elas são e não como eu queria que elas fossem. Ao fazer tudo isso, adquiri um conhecimento incomum, assim como poderes invulgares, de uma amplitude que jamais poderia ter imaginado. Sempre pensara que quando aceitamos as coisas, elas nos sobrepujam de um modo ou de outro. Resulta que isso não é verdade em absoluto. É somente aceitando as coisas que podemos assumir uma atitude em relação a elas. Por isso, tenciono agora fazer o jogo da vida, ser receptivo a tudo que me chegar, sem julgamentos, bom e mal, luz e sombra alternando-se eternamente; e, desta forma, aceitar também minha própria natureza, com seus aspectos positivos e negativos. Assim, tudo se torna mais vivo para mim.
Que insensato eu fui! Como me esforcei para forçar todas as coisas a harmonizarem-se com o que eu pensava que devia ser…”
Para mim, Jung está falando de um processo de amadurecimento. A criança é birrenta, né? Quer as coisas do jeito dela, na hora que ela quer… Por quê? Porque no processo de desenvolvimento do Ego e da personalidade, ela precisa se auto-afirmar, mostrar seu poder, para sentir-se segura de si e caminhar no seu processo psíquico. A adolescência também é uma fase de auto-afirmação e construção de uma nova e muito importante camada da personalidade e do Ego. E como são os adolescentes? Auto-centrados, donos da verdade, querem tudo do seu jeito, no seu tempo, querem ser livres, burlar as regras e os compromissos… faz parte do processo.
O medo de que ao aceitar as coisas como são “elas nos sobrepujam de um modo ou de outro”, revela uma insegurança do Ego que precisa se auto-afirmar pois não está seguro de si. Mas, ao contrário, quando aceitamos as coisas como são é que podemos claramente nos posicionar em relação a elas, tomar decisões em uma direção ou outra e caminhar na vida de maneira independente, sem ficar à mercê dos acontecimentos ou decisões alheias.
Percebo nas “Perséfones” um sofrimento grande causado pela busca constante em permanecer na superfície dos acontecimentos, continuando na vibração da menina, com uma dificuldade grande em assumir compromissos e tomar as rédeas da própria vida; seguindo à mercê ora da mãe, ora do namorado ou marido, quando não dos dois, que estabelecem entre si uma queda de braço por vezes insuportável. Ao mesmo tempo, sofrem pelo chamado interno de aprofundamento e espiritualidade que não conseguem atender, por medo, preguiça ou dificuldade de enfrentar os “dominadores”.
Mas não é só nas “Perséfones” que vejo isso. A dificuldade em amadurecer e tomar as rédeas da própria vida causa um sofrimento enorme a todos, mas imperceptível muitas vezes, pois fica disfarçado atrás de alegrias fugazes e exageros de vários tipos, que parecem diversão e felicidade para quem de fora olhar…
Em sentido contrário, à medida que amadurecemos verdadeiramente, somos cada vez mais capazes de olhar as coisas como elas são e não como gostaríamos que elas fossem, pois já podemos sentir a segurança de um Ego mais alinhado com o Self, mais inteiro em si mesmo, mais denso, mais nosso. Não precisamos forçar que as coisas sejam como queremos, apenas aceitamos, nos posicionamos e seguimos.
E então, aceitando as coisas como são, e isso inclui aceitar a si mesmo integralmente, a vida se torna mais inteira, mais leve, mais viva, como diz Jung. É desse olhar que nasce uma paz, advinda da tranquilidade e segurança de ser e estar no mundo, sem tanta ansiedade, pressa, buscas incessantes para preencher os vazios que a imaturidade deixa.
Teria muitas outras reflexões a respeito desse tema tão complexo, mas paro por aqui por acreditar que esse sentimento de paz já poderia ser uma resposta suficientemente boa para a pergunta “amadurecer pra quê?”
Querida Ana, que preciosidade este artigo… amei! Uma escrita simples, madura, pra mim foi um presente, obrigada!
Luuuu que gostoso saber que te fez sentido!! Muito obrigada por estar aqui e compartilhar! <3