A cada setênio da nossa vida temos um desafio psíquico mais importante para dar conta. Jung estudou profundamente os setênios da vida adulta, com especial ênfase aos que vão dos 28 aos 35 anos, dos 35 aos 42 e dos 42 aos 49. Os primordiais da chamada vida adulta na nossa sociedade ocidental, capitalista, patriarcal, contemporânea.
E um dos maiores desafios da vida adulta, eu diria até que é condição sine qua non para a entrada na vida adulta, é o corte do cordão umbilical da família de origem. O desafio de parar de desejar ‘que meus pais sejam felizes’. Esse é um desejo infantil que carregamos. E em função desse desejo nos moldamos, desde os nossos primeiros suspiros, em função de uma fantasia de que se formos assim ou assado eles serão felizes. E nos distanciamos de nosso eu mais verdadeiro, nossos desejos mais profundos. Precisamos entender que eles vão ser felizes se eles quiserem, como e quando quiserem. Não depende em absoluto de você, de mim, de ninguém…
No outro lado da mesma moeda está a crença de que não podemos magoá-los, decepcioná-los, deixá-los a sós com suas vidas, expectativas, desejos e não desejos. Ora, ora, ora, se eu não viver a minha vida, de acordo com o chamado da minha alma, quem vai vivê-la? E se viver a minha vida de acordo com o meu desejo mais profundo chateia ou magoa alguém, sejam meus pais ou não, que vão resolver no divã… Dr. Edward Bach, médico inglês que descobriu a potência das flores para nosso bem estar, disse que ficamos doentes quando nossas escolhas na vida estão em desacordo com os desejos verdadeiros da nossa alma; e isso acontece quando subordinamos a alma de alguém (ou seja, queremos controlar alguém) ou quando nos deixamos subordinar por outro alguém.
Tenhamos coragem de romper com esses cordões umbilicais, que muitas vezes subordinam e nos prendem num papel sistêmico na dinâmica familiar que já não nos cabe, para sermos nós felizes. Isso sim só depende de nós e de mais ninguém e é nossa responsabilidade.
Tenho visto na geração que agora está tendo que fazer esse trabalho, uma dificuldade muito maior do que a minha geração teve. Nós saímos de casa cedo, muitos quando foram para a Universidade como eu, por exemplo, aos 17 anos. E fomos cuidar das nossas vidas. Pais eram pais. Filhos eram filhos. E essa hierarquia e os limites claros que ela representava nos dava o impulso para ‘meter o pé na porta’ como eu costumo brincar, e lutar pelo nosso espaço, nossas escolhas, nossos desejos…
Nessa ‘garotada’ que está entre os 20 e vários anos e os 30 e poucos anos vejo uma dificuldade maior no corte do cordão umbilical, e mais tardiamente também. Porque os pais são gente boa, sabe… tão provedores, tão legais, tão abertos… é o que ouço com frequência…. não tem porque ‘meter o pé na porta’….. #sqn porque no fundo é uma questão inexorável para a psique humana. E pelo que vejo no consultório, essa é uma outra forma de exercerem o mesmo controle, diferente da linha dura da maioria dos pais da minha geração, mais ainda assim igual, num desejo de continuar a viver a vida dos filhos e não ter que se haver com suas próprias vidas, dores, desejos e frustrações….
E de verdade só podemos entrar na vida adulta e realizar as tarefas que ela pede se fizermos um processo que chamo de ‘desidentificação parental’. Quem são esses seres, meus pais, antes de serem meus pais? Esse homem e essa mulher com seus limites, dores e amores? Que ‘goods and bads’ eles trazem por serem quem são? Quais as marcas deixaram em mim?
E a partir daí então transformar o amor e a relação de subordinação (explícita ou implícita) em relação real, entre adultos. Que se admiram, se respeitam, se amam e são indivíduos independentes nas suas escolhas, desejos e caminhos.
É um caminho longo. Mas vale demais a liberdade que se conquista!
Excelente texto, provocador inteligente, obrigado por compartilhar seu conhecimento
Olá Rafael! Muito obrigada pelo comentário!
Saber que fez sentido para mais alguém, é o que faz sentido para mim! 😉
Que texto explêndido… acabei de fazer esta reflexão ao cortar o meu cordão umbilical, e a vida me trouxe este texto para fechar com chave de ouro o meu processo. Gratidão =)
Lilian querida muito obrigada pelo comentário! Que feliz eu fico em saber que o texto colaborou com seu processo!! Volte sempre! 🙂 Um beijão