Nossa casa é a nossa psique, nosso corpo. Corpo que carrega as marcas que nos constituem. Corpo como pele que protege nossa sensibilidade, nossa verdade, nossa alma. Poder estar confortável na própria pele, na própria casa, em qualquer lugar, em qualquer situação. Parece difícil né? Para a maioria de nós, que precisa de “condições normais de temperatura e pressão” para poder se sentir em estabilidade e segurança emocional, parece que sim.
Sempre senti muita admiração pelas pessoas que conseguem se dar estabilidade e segurança emocional sem precisar de nenhuma situação ou condição específica para isso. Elas parecem ter um certo centramento, certa suavidade e calma diante das situações da vida, que por muito tempo me pareceu muito difícil de alcançar. Eu tenho uma busca longa e intensa nesse sentido e apesar de todos os avanços que reconheço, ainda para mim é um desafio e exercício cotidianos.
E não é mera coincidência a relação entre a maternagem que recebemos, principalmente nos dois primeiros anos de vida, e a nossa capacidade de centramento e estabilidade emocional. O ambiente em que “somos colocados” ao nascer, vai marcar de maneira fundamental nossa capacidade de nos dar estabilidade e segurança emocional, e de podermos lidar com mais ou menos resiliência frente às situações da vida, adversas ou não.
Mas não estou aqui falando especificamente da minha mãe ou da sua mãe… não… elas foram e são apenas alguéms com seus medos, suas dores, seus amores, fantasias e frustrações… apoiadas ou não, amadas ou não pelo pai desse bebê que fomos… e que, ao exercer (ou não) a sua maternagem para nós, deixaram marcas. Pois não é possível separar quem se é da maternagem que se exerce. Parir e maternar um bebê é profundamente desestabilizador e exigente para uma mãe, e daí a importância crucial do papel do parceiro nesse processo. Ser um bom pai é cuidar e nutrir e amparar e proteger a mãe, para que ela possa cuidar e nutrir e proteger o bebê.
Enfim, o fato é que para aprendermos a nos dar estabilidade e segurança emocional precisamos nos perguntar: que marcas a maternagem que recebi deixou em mim (for goods or bads)? Em que circunstâncias fui “colocado no mundo”? E a partir daí podermos compreender os afetos, chorar as dores que a criança não conseguiu, ressignificar essa relação primordial de amor. Seja para não mais depender do cuidado e proteção delas, para curar as feridas e aprendermos a nos dar aquilo que gostaríamos que elas tivessem nos dado e nos libertar, seja para exercermos a maternagem de nós mesmos e dos nossos filhos, ou ainda para aprendermos a nos perdoar no papel de filhos, de mãe ou de pai… e também para podermos construir relações afetivas mais saudáveis. Ou seja, atravessar esse processo, nada simples, mas bastante fundamental na estruturação das nossas vidas, nossas emoções e afetos.
Mas também precisamos falar da nossa casa no sentido menos individual, da nossa casa propriamente dita, da nossa comunidade, da nossa cidade, país, planeta, da nossa ancestralidade… pois nesse momento histórico em que o mundo está mudando aceleradamente e quando tudo parece tão instável, tão imprevisível e caótico, com as mudanças climáticas na nossa cara, tantas guerras, o avanço da extrema-direita no mundo, a estarrecedora desigualdade social e o colapso do neoliberalismo… aprendermos a nos dar estabilidade e segurança emocional ganha importância ainda maior.
E como podemos fazer isso? Claro que para cada um vai ser diferente, uma busca individual, e que, certamente, só o autoconhecimento e a consciência de si podem trazer. Mas sinto que tem alguns caminhos em comum, que acredito podem ajudar, ou que pelo menos funcionam para mim e vejo funcionar para muitos com quem trabalho no consultório.
Olhar mais para dentro do que para fora. Sentir-se. Imaginar-se. Intuir-se. Perceber-se. Vejo cada dia mais no consultório, e como veio se intensificando ao longo desses 17 anos de prática clínica, que as mídias digitais nos deixam cada dia mais perdidos entre tantas “verdades”, manuais e especialistas que ditam regras sobre o que devemos fazer para termos o direito de existir ou melhor ainda, para sermos perfeitos. Em tudo. Mas sobremaneira na maternagem. Nossa que difícil. E sabe de uma coisa? A pior mãe que pode existir é a “mãe perfeita” (se isso fosse possível, claro!). Porque ser humano é ser imperfeito. É poder errar, acertar e aprender com as decisões e caminhos escolhidos. E a mãe perfeita não deixa espaço para a humanidade imperfeita dos filhos. Já pensou sobre isso? O que sente?
Estar em contato com o nosso corpo. Confiar no corpo é confiar em si mesmo. Acessar as verdades que estão gravadas em nós. Nossas memórias. Ter prontidão; segurança na capacidade do próprio corpo de estar presente, de se proteger, de acessar o mais verdadeiro em nós. Nas palavras de Stanley Keleman no livro Mito e Corpo, pág. 57, “as imagens enraizadas no soma são autênticas. Quando vivemos conceitos e imagens que não estão enraizadas em nosso corpo, não acreditamos em quem somos.” Para mim, o contato profundo com o corpo dos sentidos, na prática de yoga ou no silêncio, por exemplo, é caminho fundamental para isso.
Silenciar. Aquietar. Distrair-se menos. Ouvir as vozes que falam dentro de nós e nos haver com elas. Nos conhecer. Para Jung, as marcas afetivas dos primeiros anos de vida são determinantes na construção do “personagem” de nós. Aquele eu que nos aprisiona em comportamentos automatizados e repetidos à exaustão, e que nos causa tanta dor. E só quando silenciamos e ouvimos esses “eus” que moram em nós, é que podemos verdadeiramente escolher continuar sendo esse “personagem”, ou caminhar em direção ao nosso eu mais verdadeiro, mais inteiro e que se sente mais confortável na própria pele, o “si-mesmo” que se é. Para usar as palavras de Jung: “só aquilo que somos tem o poder de curar-nos.” (OC 9/1, § 258)
Observar a natureza, seus ciclos, sua beleza indescritível. Entender-se parte da natureza que somos. Cuidar, cuidar-se, plantar, caminhar descalço na grama, dançar, cantar, brincar, respirar, experienciar a vida… para mim é sentir-me parte de algo maior que eu, um todo que tem sua lógica própria, seu ritmo, sua “verdade”. E como dizia Einstein, quando estou mais conectada com a natureza sinto que “Deus não joga dados”.
E você? sabe o que te traz estabilidade e segurança emocional?